José Aldyr Gonçalves

Escritos de ontem, de hoje e de amanhã...

Textos

A DOR DE UMA FINGIDA EXISTÊNCIA
Era uma vez, uma criatura que fingia tudo, pois, para ela, parecia impossível viver a própria realidade.
Ela fingia aceitar isso com bastante naturalidade, mas sofria terrivelmente com o fato, embora constantemente fingisse eterna satisfação.
Para que a sua verdadeira identidade não fosse revelada, ela procurava adaptar-se às pessoas e aos acontecimentos, fingindo parceria e solidariedade.
Às vezes fingia sorrir das anedotas da vida, outras vezes fingia chorar das tragédias, mas era, na verdade, absolutamente indiferente a tudo.
Para simular uma perfeita sobrevivência, protegida pelas paredes do seu mistério, ela fingia trabalhar; e quando isso a deixava exausta, ela fingia descansar.
Nunca consultara um médico, pois fingia eterna disposição e saúde.
Quando a noite inspirava o recolhimento, ela fingia dormir; e em seu sono fingido, ela sonhava sempre que era alguém que não fingia, mas antes que isso pudesse, pelo menos parecer verdade, ela fingia acordar e fazia de conta que um novo dia começava em sua vida.
Mas, eis que um dia, ela foi surpreendida pelo tempo, fingindo cantar a mais complexa das canções, em cuja letra, tentava esconder uma grande e misteriosa dor: a dor de sua fingida existência.
Pois descobrira, enfim, que enquanto ela fingia que existia, os outros fingiam que acreditavam nela;
E assim, não lhe restando mais nenhuma alternativa de forjar a vida...
Ela fingiu morrer.

josealdyr@gmail.com
JOSÉ ALDYR GONÇALVES
Enviado por JOSÉ ALDYR GONÇALVES em 01/12/2009
Alterado em 20/06/2019


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras